O jornalista, criador do Araribóia Rock, quadrinista e amante do rock lança nesta quarta feira, em Ipanema, o livro “Niterói Rock Underground (1990-2010)”. Em 224 páginas e mais de 300 imagens, Pedro de Luna, agitador cultural nato, narra suas vivências roquenrou. Ele fez parte de uma história e ainda continua deixando as pedras rolarem. Confira a entrevista exclusiva para o blog do Na Veia.
Renata Brant - Você estagiou na lendária Rádio Fluminense FM, que na década 80 e 90 descobriu muitas bandas. Além disso, criou o coletivo Araribóia Rock em 2004. Pode se dizer, então, que você fez parte de uma história?
Pedro de Luna - Fiz e ainda faço, por que a história está sendo escrita a cada dia. Mas não só eu, como bandas, jornalistas (olha você aí), produtores e, claro, o público!
RB - Como surgiu a ideia de escrever o livro?
PL - A idéia surgiu em 2007, quando o Arariboia Rock tinha diálogo na Secretaria de Cultura e a FAN estava de portas abertas para os artistas da cidade. Procurei a Niterói Livros, que é uma editora pública e adorou a idéia, pois eles não tinham (e continuam não tendo) títulos bacanas para os jovens leitores, para os alunos da rede municipal de ensino. Como ele não saiu em 2008, nem em 2009 e 2010, cansei de embromação e parti para a produção por conta própria, como fiz nessas duas décadas.
Acho importante compartilhar esse documento histórico com as gerações dos anos 90 e 2000, tanto para preservar a memória do passado, como também para avaliar os rumos que as cenas tomaram e o que queremos daqui em diante.
RB - Teve algum momento marcante na história do rock niteroiense que você presenciou?
PL - Vários!!! Vibrei muito com a inauguração do half pipe do Bedrock, que foi o primeiro da cidade, além da mini ramp de Piratininga; Não me esqueço dos shows que fizemos n´O Farol, no Teatro Popular e na Praça Getúlio Vargas. Também foi memorável quando conseguimos ter o Dia Municipal do Rock em Niterói, e das primeiras vezes em que nos reunimos na Câmara Municipal e na Secretaria de Cultura, em 2005. Desmistificou muita coisa. E, claro, as viagens e turnês das bandas niteroienses, que viajavam pelo Brasil levando nossa bandeira por aí.
Também fui muito feliz nos anos em que ajudei a editar o Jornal do Rock com o Marcos Petrillo. O cara merecia uma placa pela contribuição que ele deu ao Brasil. Ele foi o criador do jornal International Magazine e já morava em Niterói, mas nunca teve qualquer reconhecimento da cidade e das autoridades locais. Um grande amigo e profissional.
RB - O que vamos encontrar de diferente no seu livro e que não vemos nos tradicionais livros de rock?
PL - Várias coisas. Pra começar, nem sempre o autor é alguém que de fato fez ou faz parte daquela cena. No meu caso, sou um dos protagonistas, tenho uma bagagem e um acervo pessoal muito precioso, que fiz questão de compartilhar com o leitor. Além disso, os “livros de rock” em geral são apoiados em grandes nomes, que ajudam a puxar as vendas, ou em fotos aos montes, com pouco conteúdo. O meu livro não é mainstream, pelo contrário, o foco dele são os independentes. Ou seja, bandas, fanzineiros, produtores, skatistas etc.
Eu procurei contar a história das transições que passamos sem falar muito do rumo que vários personagens tiveram dali em diante. Essas mudanças permeiam vários aspectos - sociológico, econômico, tecnológico, político – pois estão todos ligados. O aspecto tecnológico, por exemplo, é o mais visível, por que saímos de uma fase fita k7/LP/VHS para o mp3 passando antes pelo CD, o DVD e o vídeo laser.
Mas é fato que grande parte da galera que fez os anos 90 se profissionalizou de verdade, hoje tem um selo, uma loja, uma marca, um estúdio, uma revista, uma empresa. Então o livro é quase um making off do underground não só niteroiense, mas carioca e, por que não, brasileiro.
RB - Qual foi sua maior aventura “roquenrou”?
PL - São muitas, mas para citar uma, o festival Casarão, em Rondônia, no ano de 2008. Foi marcante assistir aos shows e fazer a exposição dos meus quadrinhos no Casarão dos Ingleses, às margens do Rio Madeira, com direito a boto passando do lado, cheiros e sons exóticos. E ainda mais sabendo que o local seria inundado com a construção de uma represa. Naquela noite só faltou ver um saci pogando com o Curupira.
RB - Em uma recente entrevista para o Jornal O Fluminense, você disse que o underground se popularizou. Esse movimento aconteceu devido à democratização da musica?
PL - A partir do momento em que qualquer um pode assobiar e batucar, a música sempre foi democrática. Quando falo em popularização, isso se deve, claro, ao maior acesso da população aos meios de comunicação, sobretudo digitais. Mas também de um certo glamour misturado com oportunismo que norteou o início dos anos 2000, quando se auto-intitular “independente” passou a ser cool, a significar um monte de coisas legais.
Para ilustrar, é importante ver a reação dos produtores de festivais independentes, que criaram uma associação, a Abrafin, justamente para separar o joio do trigo. Mas com o passar dos anos e a articulação política da entidade, um festival que custava R$ 40 mil, no máximo, passou a arrecadar centenas de milhares de reais, e em alguns casos mais de R$ 1 milhão, com dinheiro público ou privado, através de editais e leis de incentivo. Logo, não me parecem mais conceitualmente “independentes” apenas por abrir espaço para bandas que não são mainstream. E muito menos “undergrounds”. Essa é uma discussão profunda que merece desdobramento. Converso muito sobre isso com o Micael Herschmann, professor da UFRJ que escreveu um livro sobre a Lapa.
Mas a grande confusão é saber que um festival em Cuiabá ou no Acre acontece todo ano com um orçamento fantástico, e uma cidade como Niterói, que já foi capital do Brasil, não recebe qualquer incentivo nesse sentido, nem municipal, nem estadual e muito menos federal. A gente brinca que somos “fora do eixo no próprio eixo”. Falo sobre isso no capítulo dedicado à institucionalização da cena independente.
RB - O que você vê de positivo neste aspecto? O acesso e a maneira de consumir música mudaram, entretanto, surgem bandas com pouca qualidade sonora. Você concorda?
PL - Sim, o jeito de consumir e usufruir mudou, basta olhar na rua. Quantas pessoas ouvindo música com dispositivos portáteis. E concordo contigo, a partir do momento em que se popularizaram as ferramentas para gravar e difundir a música, qualquer pessoa começou a se divulgar como cantor, ator, cineasta. Então temos muito mais bandas, mas poucas realmente diferenciadas, que não parecem cópia de nada e que te tocam de verdade. Hoje vemos uma avalanche de artistas, ainda envolvidos pelo sonho da fama e da grana fácil, que a indústria cultural continua a alimentar. Mas para chegar ao patamar de ser um rockstar e, sobretudo, se manter no topo, continua sendo muito difícil. Principalmente por que a audiência está dispersa. Não basta mais dar um tiro de canhão, divulgar em meia dúzia de veículos e falar para todo mundo de uma só vez. Hoje a audiência está bastante segmentada. O cara está vendo TV, navegando na internet e falando no celular, tudo ao mesmo tempo.
RB - Bandas e produtores cariocas e também niteroienses reclamam da falta de espaço para produzir eventos e shows. Você acredita que um incentivo de uma verba pública bem compartilhada poderia mudar esta situação?
PL - A verba é sempre importante, mas é necessário haver espaços adequados e, mais que tudo, um programa de cultura. Se você não tem um programa, acaba fazendo projetos isolados, sem continuidade e conexão um com o outro. Ou seja, não consegue fazer um planejamento para desenvolver mercado, formar público, estruturar a cadeia produtiva.
O projeto Rock na Pista, que fazíamos em praças e pistas de skate, era um exemplo de um projeto maior e bem sucedido, que previa um desdobramento fantástico, mas acabou quando mudou o prefeito de Niterói. Voltou o Jorge Roberto Silveira e tudo o que o governo anterior começou, ele descontinuou. E pior, não começou nada. Isso é uma característica negativa da política brasileira. Se você consegue estruturar um programa, blindar ele a transições e vaidades, a própria população cobra do governante. É aquela máxima do “não se mexe em time que está ganhando”.
RB - Sabemos que hoje aquela fama de rock star não existe mais. Sexo, drogas e rock and roll virou sinônimo de muito trabalho. O que se vê são bandas virando empresas. Você acredita que isto seria uma maneira de driblar esta falta de espaço na grande mídia?
PL - Acho importante por que tudo isso significa profissionalização. Mas não sei até aonde funciona se depender apenas dos músicos, por que até hoje nunca vi uma banda onde todos os integrantes fizessem de fato alguma atividade executiva, que não apenas tocar. No entanto, conheci bandas com empresário, produtor, assessor de imprensa e fotógrafo a tira colo. Se a banda tem condições, ela pode se cercar de uma boa equipe, mas a música boa ainda é importante.
Poucas bandas possuem um conceito, uma identidade visual, por que elas também são uma marca. E toda boa marca tem uma história por trás, valores associados a ela, atributos bem definidos. É só lembrar das bandas ditas “engajadas”, que protestam contra a guerra, fazem show pela libertação do Tibete, defendem a Amazônia, alertam para as queimadas nas montanhas da Califórnia, gritam contra os políticos corruptos, e por aí vai. Nos últimos anos, quem levantou a voz fora dos palcos, além das bandas de hardcore? Marcelo Yuka, Tico Santa Cruz, MV Bill, Os Paralamas e Titãs. Não me recordo de outros nomes agora. Mas quem é que está representando os artistas em Brasília? O ex-palhaço Tiririca. Enquanto na gringa, você vê o Jello Biafra se candidatando a prefeito. O Peter Garreth, vocalista do Midnight Oil, que já foi deputado e hoje é Ministro da Educação, Infância e Juventude da Austrália.
RB - Falando em grande mídia, o que temos hoje como principal canal de
divulgação é a MTV. Rádios especializadas nem existem mais, como a Rádio Cidade e a própria Fluminense FM. O rock ficou órfão? Carente desses espaços?
PL - Faz tempo que não assisto a MTV. Eu não olho para ela, por que ela também não olha para mim. Acho importante, por exemplo, que o canal esteja abrindo um estúdio no Rio, por que ainda é uma emissora paulistana. E por que perdeu espaço para o Multishow, VH1, Play TV e para os portais de vídeo na internet. As rádios rock também fecharam ou se transformaram em rádios empresariais disfarçadas. E eu ainda acho rádio fundamental, por que muita gente ainda ouve não só pelas músicas, mas também pelas notícias. E rádio pega em qualquer lugar: no carro, na barca, na praia, na floresta.
Teve uma época em que bombaram programas e rádios comunitárias e universitárias, mas muitas foram lacradas num período fascista onde eram chamadas de “piratas”. Eu vim da Fluminense FM, depois fiz rádio interna na faculdade e, em 2007, tive um programa numa rádio bem legal chamada Venenosa FM. A grande novidade nesses tempos era a transmissão também pela internet. Mas, pra variar, o grupo empresarial por trás dela resolveu mudar o perfil, e eu caí fora. Então sim, o rock está órfão de grandes veículos verdadeiramente comprometidos com ele, e não com os acionistas por trás dos panos.
RB - Como você enxerga a relação internet/artista independente? O que as bandas podem tirar de positivo nesta dupla?
PL - A internet não é a tábua de salvação, e sim mais uma ferramenta. Acho que muitos conceitos antigos continuam valendo. A gente recebe e-mails toda semana de bandas querendo tocar. Mas o cara não cria um relacionamento, ele simplesmente diz “minha banda tá nesses links aí, e eu quero tocar”. Opa, opa, opa! Não é assim que as coisas funcionam.
Quando um cara está a fim de uma garota, ele primeiro tem que se apresentar e ver se rola uma empatia. Depois ele conversa, chama pra sair. Ninguém fala “oi, eu sou fulano, vamos pra cama agora!”. Pode até funcionar em um ou outro caso, mas a chance de virar um relacionamento duradouro é pequena. Não à toa, até hoje tenho grandes amigos que são amigos de carta, gente com quem eu me correspondi por vários anos.
RB - O rock está nas suas veias! Qual banda de rock niteroiense que você anda ouvindo?
PL - Estou sempre atento às novidades. Do ano passado pra cá, curti muito o som do The Fraktal, da Facção Caipira, do Equal, Audionari e Lumino (que melhoraram bastante), d´Os Clodoaldos, do Covil do Lobo, e da Carlos Spihler, para quem desenhei a capa do disco novo. Mas continuo ouvindo bandas antigas, como Projeto Secreto, Lougo Mouro e Bendis, que infelizmente não existe mais. Por conta do Arariboia Rock, estamos sempre atentos para ver alguma banda nova que seja diferente, que tenha um algo mais, como a Tereza, que eu descobri em 2009 pagando pra tocar no Convés e elegi a revelação daquele ano.
RB - Pra terminar, o que o Araribóia Rock vai aprontar neste segundo
semestre?
PL - Estamos muito focados em três linhas. A primeira, a estruturação do coletivo como pessoa jurídica, como uma ONG; A segunda, mantendo um projeto de shows mensais chamado “Arariboia Rock Apresenta”, cuja próxima edição acontecerá no dia 16 de julho, na Box 35, com show da Canastra; E terceiro, já estamos conversando sobre o festival de 7 anos do coletivo, que ainda não tem data e lugar, mas será em dezembro, como fazemos todos os anos.
Obrigado pelo espaço Renata. Quem quiser saber mais sobre o livro pode acessar o WWW.niteroirockunderground.blogspot.com ou www.arariboiarock.com.br
Beijo!
Serviço:
Lançamento do livro "Niteroi Rock Underground (1990-2010)", do Pedro de Luna
15 de junho, quarta-feira, 20h
La Cucaracha - Rua Teixeira de Melo 31-H, em Ipanema.
Entrada franca.
Telefone para informações: 2522-0103 ou www.cucaracha.com.br
Contatos com o autor >> Pedro@arariboiarock.com.br
2 comentários:
Muito bacana, obrigado pela força e até 4a feira, Rê!
Pedro, será um prazer encontrar contigo!
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